𝐌𝐀𝐑𝐈𝐀 𝐊𝐀𝐑𝐎𝐋𝐈𝐍𝐄 𝐃𝐄 𝐒𝐀𝐗𝐄-𝐂𝐎𝐁𝐔𝐑𝐆𝐎 𝐄 𝐁𝐑𝐀𝐆𝐀𝐍Ç𝐀 – 𝐁𝐢𝐬𝐧𝐞𝐭𝐚 𝐝𝐨 𝐈𝐦𝐩𝐞𝐫𝐚𝐝𝐨𝐫 𝐃. 𝐏𝐞𝐝𝐫𝐨 𝐈𝐈 – Por Sérgio Pinto Monteiro*
A história da princesa brasileira Maria Carolina (1899-1941), pouco conhecida do grande público, levou-me a pesquisar as razões e circunstâncias de sua morte trágica, vitimada pela chamada “eutanásia nazista”. Terceira dos oito filhos do príncipe brasileiro D. Augusto Leopoldo (1867-1922), militar da marinha austríaca, e da arquiduquesa Carolina da Áustria-Toscana (1869-1945), Maria Carolina nasceu na cidade de Pula, antigo império Austro-Húngaro, atual Croácia, em 10 de janeiro de 1899 e foi registrada como princesa brasileira em exílio. Seu pai, nascido em Petrópolis, era filho do príncipe Luís Augusto e da princesa Leopoldina, portanto, neto de Dom Pedro II e da Imperatriz Teresa Cristina.
D. Augusto Leopoldo jamais se acostumou a viver na Europa, mas era impedido de voltar ao Brasil pela Lei do Banimento – somente revogada em 3 de setembro de 1920 – e que proibia os descendentes de D. Pedro II retornarem ao país. D. Augusto até pensou em visitar o Brasil por ocasião das comemorações do centenário da Independência, em 1922, mas adoeceu e morreu logo depois.
Maria Carolina, a exemplo de outros dois irmãos, nasceu com deficiência intelectual, provavelmente gerada pelo parentesco entre seus pais. O cenário se tornou ainda mais complicado após a morte de D. Augusto Leopoldo, em 11 de outubro de 1922. A princesa tinha, apenas, 23 anos. Em setembro de 1938, seis meses depois da anexação da Áustria pela Alemanha, Maria Carolina foi transferida para um hospital psiquiátrico em Schladming, onde a família residia desde 1918. A princesa já tinha sido internada, entre outras instituições, numa casa de repouso em Salzburgo e em um sanatório público em Niedernhart.
Sob o regime nazista, pessoas com doenças hereditárias ou “vidas indignas”, conforme as leis do regime deveriam ser exterminadas. A Enciclopédia do Holocausto do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos recorda que, nos primeiros meses entre a primavera e o verão de 1939, os nazistas colocaram em prática o Programa de Eutanásia – considerado o primeiro programa de extermínio em massa do Terceiro Reich, um antecessor do genocídio contra judeus. O Aktion T4 durou aproximadamente dois anos. Ele permitia que médicos alemães fossem autorizados a selecionar pacientes “considerados incuráveis, após exame médico mais crítico” e então administrar a eles uma “morte misericordiosa”. Era a “eutanásia nazista”. Tratava-se, na realidade, de uma política de extermínio em massa de doentes mentais, que antecedeu a chamada “solução final”.
No dia 6 de junho de 1941, o hospital de Schladming foi invadido por soldados alemães. Os pacientes – entre eles, Maria Carolina – foram transportados, em veículos apelidados de “ônibus da morte”, para o Castelo de Hartheim, um dos seis centros de extermínio existentes na época. Os outros cinco eram Bernburg, Brandenburg, Grafeneck, Hadamar e Sonnenstein. Neles, os pacientes eram mortos por envenenamento a gás – monóxido de carbono ou cianeto de hidrogênio – ou com injeção letal.
No mesmo dia em que chegou a Hartheim, a princesa Maria Carolina de Saxe-Coburgo e Bragança foi executada, aos 42 anos, completamente nua, numa câmara de gás disfarçada de banheiro. Dos chuveiros, não saía água, mas gás letal. Estima-se que, entre maio de 1940 e agosto de 1941, 18,2 mil pacientes tenham sido executados em Hartheim – média de 40 por dia. O centro de extermínio ganhou o apelido sinistro de “Castelo da Morte”. O corpo da princesa Maria Carolina foi incinerado e suas cinzas supostamente guardadas na cripta da família, na paróquia de Santo Agostinho, em Coburgo. Descaradamente, as autoridades nazistas enviaram ao príncipe Ernesto – irmão de Maria Carolina – uma carta de condolências. O documento informava o óbito de Maria Carolina, mas não trazia a causa de sua morte.
No dia 12 de novembro de 2021, uma placa em homenagem à princesa Maria Carolina foi instalada em frente à antiga residência de sua família em Schladming, na Áustria. Até maio de 2023 já tinham sido instaladas mais de 100 mil placas de bronze em 26 países, esculpidas à mão, sobre cubos de concreto. Em geral as placas são colocadas na calçada, diante do último endereço conhecido da vítima.
Em 19 de janeiro de 2023, a princesa Maria Carolina ganhou mais uma homenagem: a inauguração do Memorial às Vítimas do Holocausto, no Rio de Janeiro, onde, entre tantos registros emocionantes, há o da execução da princesa Maria Carolina.
A humanidade jamais deve esquecer os genocídios cometidos por ditadores e seus cúmplices. Ditadores são, em geral, psicopatas. Segundo o psicólogo canadense Robert D. Hare (1993), “psicopatas são predadores sociais que encantam, manipulam, e abrem seu caminho impiedosamente pela vida, deixando um rastro de corações partidos, expectativas despedaçadas e carteiras vazias. Completamente desprovidos de consciência e de sentimentos pelos outros, eles egoisticamente pegam o que querem e fazem o que querem, violando as normas e expectativas sociais sem o menor sentimento de culpa ou arrependimento”.
A história assinala a trajetória de inúmeros desses predadores sociais. Uma extensa relação deles seria certamente encabeçada por Hitler, seu “representante” mais sórdido e cruel, acompanhado por Stalin, Mao Tsé-tung, Kublai Khan, Mussolini, Chiang Kai–shek, Idi Amin, Pol Pot, entre muitos outros sinistros psicopatas-ditadores. Nenhum deles deixou o poder espontaneamente. Todos foram derrubados ou aniquilados por comunidades locais ou internacionais, em meio a confrontos violentos e sanguinários. Portanto, a regra geral é que ditadores não entregam o poder pacificamente. Cabe-nos, individual e coletivamente, mas principalmente como SOCIEDADE e, em última análise, como POVO, evitar – ou até impedir – o empoderamento de tais indivíduos em governos e/ou cargos onde, em geral protegidos pela Lei, darão vazão às suas personalidades doentias e seus instintos predadores. Inútil imaginar que psicopatas se recuperam ou se corrigem. É da sua natureza.
DESCANSE EM PAZ, PRINCESA MARIA KAROLINE
*pesquisa do autor, 84 anos, Oficial Veterano do Exército, historiador, Presidente da Liga da Defesa Nacional/RJ, Patrono e Fundador do Conselho Nacional de Oficiais da Reserva, membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil, da Academia Brasileira de Defesa e do Instituto Histórico de Petrópolis.