Por uma sociedade apta a defender a liberdade, preservar sua história e construir um futuro digno, íntegro e próspero.

Instituto Civitas

Por uma sociedade apta a defender a liberdade, preservar sua história e construir um futuro digno, íntegro e próspero.

𝗝𝗢𝗥𝗡𝗔𝗟𝗜𝗦𝗠𝗢, 𝗔𝗟𝗚𝗢𝗥𝗜𝗧𝗠𝗢𝗦, 𝗗𝗔𝗗𝗢𝗦 𝗘 𝗠𝗔𝗡𝗜𝗣𝗨𝗟𝗔ÇÃ𝗢 – Por Guilherme Azevedo

Era uma vez um vilarejo, onde as pessoas viviam tranquilas, guiadas por um grande relógio na praça central. O relógio não era perfeito – algumas vezes atrasava, outras adiantava –, mas ele era visível a todos. Qualquer um podia questionar seu funcionamento e apontar eventual necessidade de ajuste. A disponibilização daquele grande relógio trazia um grande movimento para a praça na medida em que a maioria do povo o utilizava para administrar seu tempo e cumprir com suas tarefas cotidianas.

Um dia, chegaram ao vilarejo viajantes trazendo relógios pessoais. Pequenos, elegantes e diferentes para cada usuário. Esses relógios prometiam customização, ajustando-se às batidas do coração de quem os usava, além de conforto, com acesso instantâneo à hora certa. Aos poucos, as pessoas abandonaram a praça, fascinadas pela comodidade de seus dispositivos individuais. Mal percebiam que esses novos relógios não apenas contavam o tempo, mas ditavam quando deviam acordar, comer, trabalhar e até sonhar.

Essa parábola ilustra o que aconteceu com a informação no século XXI. Saímos de uma era onde a informação era divulgada de maneira centralizada e a influência era visível – por meio de jornais, rádios e TVs – para uma onde as notícias passaram a ser embaladas e distribuídas de forma instantânea, descentralizada e em grandes volumes; uma nova era onde poderosos e invisíveis instrumentos de manipulação surgiram: a era dos algoritmos.

 

Os Velhos Instrumentos de Poder: Fogueiras e Palanques

Desde que o homem acendeu sua primeira fogueira, a manipulação das massas sempre foi um jogo de sombras. No Império Romano, o “pão e circo” era suficiente para manter o povo distraído enquanto decisões cruciais eram tomadas nos bastidores. Séculos depois, os púlpitos de algumas igrejas medievais ecoavam sermões que justificavam guerras e consolidavam reinados.

Com o surgimento da imprensa, aos poucos, ela foi se consolidando como uma confiável fonte de informação e, consequentemente, tornou-se uma eficiente formadora de opinião. Ato contínuo, as elites detentoras do poder passaram a enxergá-la como poderosa ferramenta de manipulação das massas e, desse modo, considerá-la uma importante aliada a ser conquistada, ou comprada.

Assim, com o passar dos tempos, viu-se jornais tomando partido em disputas político-partidárias, com manchetes cuidadosamente moldadas para servir a interesses específicos, e jornalistas claramente envolvidos com determinadas agendas. No entanto, o vilarejo – ainda que imperfeito – mantinha seu relógio visível. A manipulação era tangível, podendo ser combatida por outros jornais, debates e sociedade civil organizada.

A história está repleta de exemplos de como a imprensa moldou o destino das nações. Vale lembrar do papel do jornalismo investigativo no caso Watergate, nos Estados Unidos, que derrubou um presidente, ou do impacto das reportagens sobre os abusos nos campos de trabalho soviéticos, que desmascararam regimes autoritários. Esses momentos definem o que a imprensa, um dia, já se propôs a ser: um guardião incansável da verdade.

Porém, com o advento da internet, o público começou a demandar velocidade. De um dia para o outro, os jornalistas passaram a competir com timelines infinitas e feeds algorítmicos. O foco deslocou-se de reportagens aprofundadas para manchetes impactantes, enquanto a busca por cliques substituía a busca pela verdade. A imprensa, outrora um farol, passou a se comportar como um comerciante no mercado da atenção, vendendo histórias embebidas em emoção e controvérsia, enquanto o rigor investigativo tornou-se escasso.

Em 2016, numa entrevista para uma repórter em um evento da indústria cinematográfica, o renomado ator estadunidense Denzel Washington foi perguntado sobre a notícia de que ele havia trocado seu voto, de Hilary Clinton para Donald Trump, e ele respondeu o seguinte:

–  Se você não ler as notícias, você está desinformada. Se você ler, está mal-informada.

–  Então o que você faz? retrucou a repórter.

–  Essa é a grande questão, Denzel ponderou e continuou – Qual é o efeito a longo prazo do excesso de informação? Um dos principais efeitos é precisar ser o primeiro e não mais ser verdadeiro. Então, qual a responsabilidade que todos nós temos? Dizer a verdade. Não apenas ser o primeiro, mas dizer a verdade. Vivemos em uma sociedade em que o que importa é ser o primeiro. Quem se importa? Não importa quem será magoado. Não importa quem será destruído. Nem mesmo se é verdade. Apenas diga e venda. Tudo que você faz, você fica bom nisso, incluindo ser burro.

Para competir com a velocidade dos bits e a efemeridade dos cliques, os veículos tradicionais de imprensa se transformaram: as pedras robustas do jornalismo investigativo foram substituídas por vitrines brilhantes de entretenimento e narrativas cuidadosamente moldadas para agradar e capturar a atenção do público. E esse descompromisso cada vez maior com a verdade abriu espaço para o ativismo ideológico, que prejudica a credibilidade dos grandes veículos de comunicação. O jornalismo comprometido com a informação verdadeira perdeu espaço para o jornalismo de opinião, envolvido na construção e divulgação de narrativas para fortalecer determinada agenda.

Essa transformação é mais do que uma questão técnica; é uma mudança profunda no papel da mídia e no impacto que ela tem sobre nossas vidas. O jornalismo, que antes parecia iluminar o caminho para a verdade, agora se assemelha a um espetáculo de luzes piscantes, onde a substância cede lugar ao sensacionalismo.

Os Davis Contra os Golias da Informação

No entanto, é muito difícil enganar todas as pessoas por muito tempo, especialmente num ambiente de acesso à internet e com pouca censura. Assim, no lugar da hegemonia midiática, surgiu um caleidoscópio de vozes. Influenciadores digitais e pequenos veículos de comunicação começaram a ocupar espaços antes monopolizados pelos grandes conglomerados. Com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, esses novos atores passaram a dialogar diretamente com milhões, trazendo frescor e pluralidade ao debate público.

Podemos comparar esse movimento ao surgimento da imprensa popular no século XIX, quando pequenas publicações deram voz a trabalhadores e grupos marginalizados, desafiando as elites tradicionais. Hoje, as redes sociais cumprem um papel semelhante, oferecendo plataformas para narrativas alternativas, mesmo que essas narrativas sejam muitas vezes desordenadas e conflitantes.

Essa descentralização vem incomodando aqueles que sempre detiveram o poder. Como monarcas que perderam seu domínio, as elites econômicas e políticas – acostumadas a operar em simbiose com a grande mídia – encontraram-se diante de um novo desafio: evitar a perda do poder de ditar o que será visto, ouvido ou acreditado sem contestação.

 

A Reação: Censura e Controle

Quando um governo com viés autoritário não pode controlar seu povo por meio da persuasão, ele frequentemente recorre à repressão. No caso da comunicação digital, a repressão veio sob o disfarce de regulação e boas intenções, por meio da “censura do bem”. Alegando combater o “discurso de ódio” ou as “fake news”, os poderes estabelecidos buscam encontrar uma maneira de controlar as redes sociais, impondo limites à liberdade de expressão e moldando o que pode ou não ser dito.

A “censura do bem” é uma medida perigosa pois, sob o pretexto (dissimulado) de “proteger a democracia” ou “combater o ódio”, frequentemente corta a diversidade de pensamento. Imagine se as ideias virtuosas de figuras como José Bonifácio, Luís Gama ou Martin Luther King Jr. tivessem sido silenciadas sob o pretexto de evitar “polarização”. Muitas das mudanças que moldaram a humanidade nasceram de ideias inicialmente vistas, por alguns, como radicais ou inconvenientes.

Nesse novo campo de batalha, o público deixou de ser apenas espectador. Ele é tanto o prêmio quanto o jogador. As pessoas precisam aprender a filtrar informações, separar o trigo do joio e resistir à tentação de consumir apenas o que confirma seus próprios preconceitos. É como se cada indivíduo fosse um explorador em um vasto oceano de dados, navegando entre recifes de desinformação e correntes de propaganda.

Ao mesmo tempo, é essencial exigir transparência tanto das redes sociais quanto da mídia tradicional. Quem decide o que é fake news? Quem define os limites do discurso aceitável? São questões que precisam ser discutidas abertamente, pois nelas reside o futuro da liberdade de expressão e da própria democracia.

Estamos diante de uma encruzilhada histórica. A informação, que já foi um tesouro acessível apenas aos poderosos, agora está em disputa. É como uma fortaleza sitiada, onde cada lado tenta reivindicar seu controle. O veículo de imprensa que pretender voltar a ser “o farol que ilumina o caminho” precisa abandonar o espetáculo e recuperar sua essência de buscar os fatos e prover informação compromissada com a verdade.

 

O Novo Palácio Invisível: Algoritmos e Dados 

Além de toda essa nova dinâmica de competição na apuração dos fatos e divulgação da informação e de risco de escalada da censura estatal, eis que surge mais um ingrediente poderoso: o domínio de algoritmos que decidem o que lemos, assistimos e até pensamos. Esses robôs invisíveis são alimentados por dados – pedaços de nossas vidas que entregamos voluntariamente em troca de conveniência. Cada clique, deslizar de tela e curtida forma uma teia de informações que molda nossos desejos antes mesmo que possamos expressá-los.

Tanto o caso da Cambridge Analytica, acusada do uso de dados pessoais coletados de redes sociais para influenciar eleitores, quanto dos experimentos do Facebook – onde alterações sutis nos feeds de notícias mudaram os estados emocionais de milhões de pessoas sem que elas soubessem – ilustram bem o poder desse novo ingrediente e servem como vislumbres do potencial desse novo instrumento que, como se pode presumir, vem sendo utilizado para manipulação de mentes.

A inteligência artificial e a análise de dados não apenas refletem nossas preferências, mas possuem a capacidade de moldá-las. Como o maestro invisível de uma orquestra silenciosa, os algoritmos conduzem a dança das massas, com o potencial de nos transformar em marionetes cujas cordas são invisíveis, mas inquebrantáveis.

 

E agora, quem poderá nos ajudar?

Mas nem toda história termina em tragédia. Assim como as eras passadas encontraram formas de romper grilhões, o futuro nos reserva soluções para resistir. A tecnologia denominada Web3, por exemplo, que representa a próxima geração da internet, surge como uma possibilidade de restaurar o equilíbrio e devolver poder de decisão aos indivíduos, reduzindo a concentração de poder de influência das grandes corporações tecnológicas (as Big Techs).

Na essência, a Web3 é construída sobre a ideia de descentralização. Em vez de confiar nossos dados a gigantes como Google e Meta, essa tecnologia utiliza blockchain para garantir que a posse e o controle da informação voltem às mãos dos usuários, de modo que estes, e não um algoritmo, possam decidir o que é relevante. Além disso, ela introduz o conceito de DAOs (Organizações Autônomas Descentralizadas), permitindo que comunidades tomem decisões coletivas de forma transparente e democrática.

As principais características da Web3 são:

  1. Descentralização: Em vez de servidores centralizados, as informações são distribuídas por uma rede de nós, reduzindo a concentração de poder.
  2. Propriedade digital: Usuários têm controle sobre seus dados e ativos digitais, incluindo criptomoedas e NFTs (tokens não fungíveis).
  3. Transparência: As transações e interações são registradas em um blockchain público, promovendo confiança e auditabilidade.
  4. Autonomia coletiva: As DAOs (Organizações Autônomas Descentralizadas) permitem que comunidades tomem decisões de forma colaborativa e democrática.
  5. Interoperabilidade: Aplicações podem interagir entre si em uma infraestrutura comum, permitindo maior integração e inovação.

E seus benefícios potenciais são:

– Redução da censura e do controle por intermediários.

– Maior segurança e privacidade para os usuários.

– Novas oportunidades econômicas através de finanças descentralizadas (DeFi) e economias digitais.

A Web3 é vista como um movimento para democratizar a internet, colocando o poder nas mãos dos usuários e promovendo um ambiente mais colaborativo e resistente à manipulação.

 

Conclusão: Uma Escolha a Fazer

Há uma antiga parábola oriental que fala de dois lobos que habitam o coração de cada pessoa: um representa o medo, o controle e a manipulação; o outro, a liberdade, a sabedoria e a justiça. O lobo que vence é aquele que alimentamos.

Estamos vivendo o capítulo mais crítico da história da informação. Os instrumentos de manipulação evoluíram de tochas para algoritmos, mas a essência da luta permanece: a busca por liberdade de escolha. Estamos diante dessa escolha como sociedade. Podemos continuar alimentando o lobo do controle, permitindo que governos censurem tudo aquilo que entendam prejudiciais aos interesses pessoais dos governantes e que algoritmos e corporações ditem nossos desejos e pensamentos. Ou podemos escolher o lobo da liberdade, investindo em tecnologias que devolvam poder aos cidadãos e promovam um futuro que valorize a liberdade de pensamento e de expressão.

Neste vasto teatro de sombras, o roteiro ainda não foi escrito. A pergunta que ecoa no palco é: seremos meros espectadores, manipulados por cordas invisíveis, ou conquistaremos o papel de autores de nossa própria história?

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Bolg do Autor: https://blogdoguilhermeazevedo.blogspot.com/2025/01/ca-por-guilherme-azevedo.html?sc=1736781073363

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