Por uma sociedade apta a defender a liberdade, preservar sua história e construir um futuro digno, íntegro e próspero.

Instituto Civitas

Por uma sociedade apta a defender a liberdade, preservar sua história e construir um futuro digno, íntegro e próspero.

Dez princípios conservadores descritos por Russel Kirk

Por Guilherme Azevedo

Nos dias atuais, com o salutar aumento do interesse de uma significativa parte da população por assuntos relacionados à política, tornou-se recorrente o uso de palavras-chave para designar determinados posicionamentos e, assim, enquadrar determinado indivíduo ou grupo em um dado espectro político. Além dos já usuais termos “esquerda” e “direita”, outros mais específicos vêm tomando conta do debate público, tais como: progressista; liberal; reacionário; e conservador.

Dentre tais designações, aquela que costuma ser interpretada de maneira mais equivocada é a de “conservador”. Há uma enorme confusão quanto ao entendimento do que trata o pensamento conservador. Muitos associam o termo conservadorismo a uma ideia religiosa, outros acham que está somente relacionada a costumes e muitos sequer sabem a quais fontes de pesquisa deveriam recorrer para entender melhor o significado do termo.

Nesse sentido, recorrendo a um dos grandes representantes do pensamento conservador, Russell Kirk (1918-1994), apresenta-se, a seguir, parte do capítulo 2 de seu livro “A Política da Prudência”, publicado em 1993, para ajudar aqueles que buscam entender melhor o pensamento conservador:

Não sendo nem uma religião nem uma ideologia, o conjunto de opiniões chamado de conservadorismo não possui Sagradas Escrituras, nem um Das Kapital, como fonte dos dogmas. Até onde é possível determinar o objeto das crenças conservadoras, os primeiros princípios do pensamento conservador derivam do que os mais ilustres escritores e homens públicos conservadores professaram ao longo dos últimos dois séculos.

[….]

Talvez fosse adequado, na maioria das vezes, utilizar a palavra “conservador” mormente como um adjetivo. Não existe um modelo conservador e o conservadorismo é a negação da ideologia: é um estado de espírito, um tipo de caráter, um modo de ver a ordem civil e social.

A posição chamada conservadora se sustenta em um conjunto de sentimentos, e não em um sistema de dogmas ideológicos. É quase verdade que um conservador pode ser definido como alguém que pensa em si mesmo como tal. O movimento ou o conjunto de opiniões conservador é capaz de acomodar uma diversidade considerável de pontos de vista sobre um bom número de assuntos, não existindo “Atos de Prova” ou “Trinta e Nove Artigos” da fé conservadora.

Em essência, o conservador é simplesmente alguém que acha as coisas permanentes mais agradáveis que “o Caos e a Noite Antiga”. No entanto, os conservadores sabem, com Edmund Burke (1729-1797), que uma saudável mudança é o meio de nossa preservação. A continuidade histórica da experiência de um povo, diz o conservador, oferece um guia político muito melhor do que os projetos abstratos dos filósofos dos cafés; mas é claro que há mais na crença conservadora que esse propósito genérico.

Não é possível esboçar um catálogo sistemático das convicções dos conservadores; mesmo assim, ofereço, sumariamente, dez princípios gerais. Não seria temerário afirmar que grande parte dos conservadores aceitaria a maioria dessas máximas. [….] A rigor, a existência de diversos modos pelos quais os pontos de vista conservadores podem ser expressos é, em si mesma, uma prova de que o conservadorismo não é uma ideologia fixa. Quais princípios específicos serão enfatizados pelos conservadores, em cada época, dependerá das circunstâncias e necessidades naquele determinado período. Os dez “artigos de fé” seguintes refletem aquilo que os conservadores, nos Estados Unidos de hoje, põem em relevo.

A seguir, transcreve-se os principais trechos dos dez princípios gerais conservadores na opinião de Russell Kirk, os quais resumem de forma bem competente o pensamento conservador americano e, igualmente, ajuda a compreender, em certa medida, o pensamento político do conservador brasileiro:

1) O conservador acredita que há uma ordem moral duradoura. Essa ordem é feita para o homem e o homem é feito para ela: a natureza humana é uma constante e as verdades morais são permanentes.

A palavra ordem significa harmonia. Há dois aspectos ou tipos de ordem: a ordem interna da alma e a ordem externa da comunidade política. [….]

Já foi dito por alguns intelectuais de esquerda que o conservador acredita que todas as questões sociais são, no fundo, questões de moralidade privada. Entendida corretamente, essa afirmação é bastante verdadeira. Uma sociedade em que os homens e as mulheres são governados pela crença em uma ordem moral e duradoura, por um forte senso de certo e errado, por convicções pessoais de justiça e de honra, será uma sociedade boa – seja qual for o mecanismo político utilizado; enquanto, na sociedade que homens e mulheres estiverem moralmente à deriva, ignorantes das normas e voltados principalmente para a gratificação dos apetites, essa será uma sociedade ruim – não importa quantas pessoas votem, ou quão liberal seja a ordem constitucional formal.

2) O conservador adere aos costumes, à convenção e à continuidade. São os antigos costumes que permitem que as pessoas vivam juntas e em paz; os destruidores dos costumes demolem mais do que suspeitam, ou desejam. É por meio da convenção – uma palavra excessivamente utilizada em nossos dias – que conseguimos evitar perpétuas disputas sobre direitos e deveres: a lei é basicamente um corpo de convenções. A continuidade é o meio de unir geração a geração; importa tanto para a sociedade quanto para o indivíduo; sem ela, a vida não faz sentido. Quando revolucionários alcançam o poder tendo apagado velhos costumes, escarnecido de antigas convenções, e interrompido a continuidade das instituições sociais – ora, logo descobrem a necessidade de estabelecerem novos costumes, novas convenções, e continuidade; mas o processo é lento e doloroso e a renovada ordem social que finalmente emerge pode ser muito inferior à antiga ordem derrubada pelos radicais, zelosos na busca do paraíso terreno.

[….] Ordem, liberdade e justiça, acreditam, são os produtos artificiais de uma longa experiência social, o resultado de séculos de experimento, reflexão e sacrifício.

3) Os conservadores acreditam no que se pode chamar de princípio da consagração pelo uso. Os conservadores percebem que as pessoas da era moderna são anões nos ombros de gigantes, capazes de enxergar muito além dos antepassados apenas por causa da grande estatura daqueles que os precederam. [….] nossa moralidade é, em grande parte, consagrada pelo uso. Conservadores afirmam ser improvável que nós, modernos, façamos qualquer descoberta nova e extraordinária em moral, política ou gosto. É arriscado ponderar cada fato ocorrido tendo por base o julgamento e a racionalidade privados. “O indivíduo é tolo […] mas a espécie é sábia”, declarou Burke. Na política, faremos bem se permanecermos fiéis a preceitos e precognições, e até inferências, já que o grande e misterioso grêmio da raça humana obtém, pelo uso consagrado, uma sabedoria muito maior do que qualquer mesquinho raciocínio privado de um ser humano individual.

4) Os conservadores são guiados pelo princípio da prudência. Burke está de acordo com Platão acerca da proposição de que, no estadista, a prudência é a maior das virtudes. Qualquer medida pública deve ser julgada pelas suas consequências de longo prazo, não apenas por vantagens ou popularidades temporárias. Os esquerdistas e os radicais, diz o conservador, são imprudentes, pois se lançam impetuosamente em direção aos próprios objetivos, sem dar muita atenção ao risco de novos abusos, ainda piores que os males que esperam debelar. [….] O conservador declara agir somente após suficiente reflexão, tendo sopesado as consequências. Reformas rápidas e agressivas são tão perigosas quanto cirurgias rápidas e agressivas.

5) Os conservadores prestam atenção ao princípio da variedade. Sentem afeição pela complexidade prolífera das instituições sociais há muito estabelecidas e seus modos de vida, em contraposição à uniformidade estreita e ao igualitarismo sufocante dos sistemas radicais. Para a preservação de uma diversidade saudável em qualquer civilização, devem remanescer ordens e classes, diferenças na condição material, e muitos tipos de desigualdade. As únicas formas reais de igualdade são a do juízo final e a perante uma corte de justiça; todas as outras tentativas de nivelamento levam, na melhor das hipóteses, à estagnação social. A sociedade almeja por uma liderança honesta e capaz; se as diferenças naturais e institucionais entre as pessoas forem destruídas, em breve algum tirano ou alguma sórdida oligarquia criarão novas formas de desigualdade.

6) Os conservadores são disciplinados pelo princípio de imperfectibilidade. A natureza humana sofre irremediavelmente com certas falhas, sabem os conservadores. Por ser o homem imperfeito, uma ordem social perfeita jamais pode ser criada. [….] Objetivar a utopia é terminar em desastre, dizem os conservadores: não fomos feitos para perfeição. Tudo o que razoavelmente podemos esperar é uma sociedade tolerantemente ordenada, justa e livre, na qual alguns males, desajustes e sofrimentos continuam à espreita. Ao dar a devida atenção à reforma prudente, podemos preservar e melhorar essa ordem tolerável. Se as antigas defesas morais e institucionais de uma nação forem esquecidas, irrompe o impulso anárquico no homem: “a cerimônia da inocência é afogada”. Os ideólogos que prometiam a perfeição do homem e da sociedade converteram grande parte do mundo no Século XX em um inferno terreno.

7) Os conservadores estão convencidos de que a liberdade e a propriedade estão intimamente ligadas. Separai a propriedade da posse privada, e o Leviatã se transformará no senhor absoluto. Sobre o fundamento da propriedade privada grandes civilizações são erigidas. Quanto mais difundida for a propriedade privada, tanto mais estável e produtiva será uma comunidade política. A igualdade econômica não é progresso econômico. Adquirir e gastar não são os principais objetivos da existência humana; mas uma base econômica sólida para a pessoa, a família e a comunidade política é o que se deve desejar. [….] A instituição das diversas propriedades – isto é, da propriedade privada – é até hoje um poderoso instrumento para ensinar responsabilidade a homens e mulheres, para dar incentivos à integridade, apoiar a cultura geral, elevar a humanidade acima do nível de uma mera lida repetitiva e opressora e proporcionar as horas vagas para pensar e a liberdade para agir. Poder conservar os frutos do próprio trabalho; poder ver que o próprio trabalho é duradouro; poder deixar as próprias posses aos dependentes; poder elevar-se da condição natural de uma pobreza opressora à segurança das conquistas permanentes; possuir algo que é realmente seu – são vantagens inegáveis. O conservador reconhece que a propriedade estabelece certos deveres aos possuidores; aceita com satisfação tais obrigações morais e legais.

8) Os conservadores defendem comunidades voluntárias, da mesma forma que se opõem a um coletivismo involuntário. [….] Em uma verdadeira comunidade, as decisões que mais diretamente afetam a vida dos cidadãos são tomadas local e voluntariamente. Algumas dessas funções são levadas a cabo por organizações políticas locais; outras, por associações privadas: desde que permaneçam locais e sejam caracterizadas por uma concórdia geral entre aqueles entre aqueles a que se destinam, tais corpos constituem uma comunidade saudável. Quando essas funções são automaticamente transferidas ou usurpadas por uma autoridade centralizada, então a comunidade se encontra em sério perigo. O que quer que seja beneficente e prudente numa democracia moderna é possibilitado por volições cooperativas. Se, portanto, em nome de uma democracia abstrata, as funções de uma comunidade são transferidas a uma direção política distante – ora, aí o verdadeiro governo pelo consentimento dos governados dá ensejo a um processo padronizante, hostil à liberdade e à dignidade humana.

Uma nação não é mais forte do que as várias pequenas comunidades que a compõem. [….] É a execução de nossos deveres na comunidade que nos ensina prudência, eficiência e caridade.

9) O conservador vê a necessidade de limites prudentes sobre o poder e as paixões humanas. Em termos de política, o poder é a capacidade de fazer o que quiser, independente da vontade dos outros. Um Estado em que um indivíduo ou um pequeno grupo é capaz de dominar as vontades dos pares sem restrições é despótico, seja chamado de monarquia, aristocracia ou democracia. Quando cada um pretende ser um poder em si mesmo, então a sociedade cai na anarquia. A anarquia nunca dura muito por ser intolerável para todos e contrária ao fato inelutável de que algumas pessoas são mais fortes e inteligentes que seus semelhantes. À anarquia se sucedem a tirania ou a oligarquia, nas quais o poder é monopolizado por uns poucos.

O conservador procura limitar o poder político de modo que a anarquia ou a tirania não tenham chances de surgir. [….] É uma característica do radical pensar no poder como uma força para o bem – desde que o poder recaia em suas mãos. [….]

Sabendo que a natureza humana é uma mistura de bem e mal, o conservador não deposita a confiança na mera benevolência. Restrições constitucionais, freios e contrapesos políticos, um cumprimento adequado das leis, a velha e intricada rede de restrições sobre a vontade e o apetite – são aprovados pelo conservador como instrumentos da liberdade e da ordem. Um governo justo mantém uma tensão saudável entre as pretensões da autoridade e as pretensões da liberdade.

10) O conservador razoável entende que a permanência e a mudança devem ser reconhecidas e reconciliadas em uma sociedade vigorosa. O conservador não se opõe a melhorias sociais, embora duvide da existência de qualquer tipo de força semelhante a um progresso místico, com “P” maiúsculo, em ação no mundo. Enquanto uma sociedade progride em alguns aspectos, geralmente retrocede em outros. [….] A permanência de uma sociedade é o conjunto daqueles interesses e convicções duradouros que nos dão estabilidade e continuidade; sem essa permanência, as fontes do grande abismo se rompem, jogando a sociedade na anarquia. A progressão em sociedade consiste naquele espírito e conjunto de talentos que incitam a reforma e a melhora prudentes; sem tal progressão, o povo fica estagnado.

Portanto, o conservador inteligente procura reconciliar as exigências da permanência e as exigências da progressão. Considera que os esquerdistas e os radicais, cegos às justas pretensões da permanência, colocariam em perigo a herança recebida, na tentativa de impelir a um duvidoso paraíso terreno. O conservador, em suma, favorece um progresso refletido e moderado; opõe-se ao culto ao progresso, cujos devotos acreditam que tudo que é novo é necessariamente superior ao que é antigo.

A mudança é essencial ao corpo social, pensa o conservador, da mesma maneira que é essencial ao corpo humano. [….] O conservador trata de que, em uma sociedade, nada seja totalmente velho ou totalmente novo. Essa é a maneira pela qual se conserva uma nação, da mesma forma que se conserva um organismo vivo. A exata medida e o tipo da mudança exigida por uma sociedade depende das circunstâncias de determinadas época e nação.

Importante ressaltar que há outros princípios conservadores que não foram abarcados por Kirk e que são também de suma relevância – tais como aqueles relacionados à justiça e à educação – contudo, os princípios e considerações aqui demonstrados já servem como base sólida para clarear o entendimento e estimular a curiosidade acerca do pensamento conservador.

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