Por uma sociedade apta a defender a liberdade, preservar sua história e construir um futuro digno, íntegro e próspero.

Instituto Civitas

Por uma sociedade apta a defender a liberdade, preservar sua história e construir um futuro digno, íntegro e próspero.

Carta aberta à Petrobras e aos seus acionistas minoritários

O Instituto Civitas, pessoa jurídica sem fins lucrativos e sem vínculos político-partidários, vem – com base nos valores da soberania e segurança nacional e da garantia da ordem social, moral e jurídica, e imbuído do propósito de contribuir para o desenvolvimento sustentável de nossa sociedade – por meio da presente Carta, manifestar-se e propor alternativa de ação à Companhia Petrobras e aos seus acionistas minoritários, diante do atual cenário de incerteza e instabilidade mundial em decorrência do conflito bélico na Ucrânia. 

Contexto

Sempre que há uma pressão sobre os preços dos combustíveis, seja por desvalorização cambial ou alta do petróleo, a questão da política de preços da Petrobras se transforma em debate público, e muitas vezes com foco político eleitoral.

Por um lado o governo, acionista controlador da Companhia, entende que a questão do preço dos combustíveis tem forte apelo social ao ponto de, na administração de Michel Temer, ter provocado uma greve de caminhoneiros que levou ao desabastecimento e a uma queda estimada entre 1% e 1,5% do PIB. Vale ressaltar que a mobilização dos caminhoneiros durou pouco mais de 10 dias.

Por outro lado, o atual governo se elegeu com discurso de liberalismo na economia, e uma ingerência na Petrobras indicaria um abandono de sua plataforma liberal e uma potencial associação com práticas intervencionistas do passado, que tanto prejuízo provocaram à Petrobras e à nação.

O que diz a lei?

A legislação de sociedades de economia mista dá poderes ao governo para agir em nome do interesse público, de forma que uma ação direta e voluntária não seria ilegal. Vejamos o que diz o capítulo III, artigo 27 da Lei das Estatais (lei federal à qual empresas de economia mista estão submetidas):

CAPÍTULO III

DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA PÚBLICA E DA SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA

Art. 27. A empresa pública e a sociedade de economia mista terão a função social de realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação.

§ 1º A realização do interesse coletivo de que trata este artigo deverá ser orientada para o alcance do bem-estar econômico e para a alocação socialmente eficiente dos recursos geridos pela empresa pública e pela sociedade de economia mista, bem como para o seguinte:

Assim como o parágrafo único do artigo 116 da Lei das S.A., versando sobre os deveres do acionista controlador indica:

Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

De forma bastante clara, diante de situações extremas, como a de uma guerra que pode acabar se espalhando pelo planeta e levando inflação e desabastecimento a praticamente todos os países, com altas nunca antes vistas nos mercados de commodities, não faltariam justificativas legais, institucionais e até mesmo morais para uma alteração unilateral da política de preços da Petrobras, por parte da União Federal.

Existe, porém, uma forma dessa mudança, muito provavelmente inevitável, ser feita com base em boas práticas de governança corporativa, mas para tal seria necessária a participação ativa dos minoritários, reconhecendo-se como parte do problema, não apenas como beneficiário de altas de preço provocadas por eventos inteiramente alheios à operação da Companhia.

O gráfico a seguir mostra a margem bruta da Petrobras, desde 2006 até o segundo trimestre de 2021. A margem bruta é um importante indicador, pois é a receita líquida subtraída de todos os custos de produção. 

Efeitos nos resultados da Companhia

Em 2007 e 2008, época em que a Companhia atingiu seu maior valor de mercado, a empresa tinha margem oscilando entre 35% e 40%. Após a administração Dilma Rousseff, que passou a controlar os preços, a margem desabou de 40% para cerca de 22%, culminando nos prejuízos que a Companhia amargou após 2014.

De uma situação saudável, foi a uma situação de quase insolvência, não apenas pela redução das margens, forçada pelo aumento de custos e por não poder repassar para os combustíveis, mas também pelos efeitos da corrupção sistêmica evidenciada pela lava-jato.

Ocorre que a Companhia retomou o patamar de margem de 40% em meados de 2019 e, recentemente, atingiu mais de 50% de margem bruta. Isso significa que para cada 100 reais vendidos pela petrobras (já descontados impostos diretos) sobram mais de 50 reais de lucro bruto.

A título de comparação, a margem bruta (gross profit margin) de Exxon, Shell e BP oscila entre 22% e 24%.

A Petrobras tem uma estrutura de preços complexa e sua margem é beneficiada pela alta do petróleo por um lado, pois é exportadora de óleo cru, e prejudicada por outro, pela importação de petróleo e derivados para adequar a matriz necessária para seu portfólio de clientes. Além disso, boa parte de seus custos está denominada em reais, o que torna o cálculo ainda mais complexo.

O papel do acionista minoritário de empresa de economia mista e a hora certa de usar o “S” de ESG.

As condições de investir em empresas de economia mista são claras, não há enganos. As leis são claras e o histórico mostra que sempre há risco de uso não econômico, justificável ou não, por parte do controlador. Por isso, entre outros pontos, que a relação preço/lucro do Banco do Brasil, por exemplo, costuma ser 2x menor que a dos bancos privados. 

Isso tudo é sabido, e faz parte dos riscos de investir em empresas com controlador estatal.

A questão é que, de fato, a política de preços de uma empresa estatal, ainda extremamente influente na indústria nacional, tem poder de interferir na ordem social. Por exemplo, o ministro alemão recentemente advertiu que se houver interrupção no fornecimento do gás russo, ele teme não conseguir manter a coesão social em seu país. Nesse sentido, a título de reflexão, imaginemos como seria, no Brasil, o óleo diesel a R$ 9,00.

No que concerne à participação dos minoritários, muitos acionistas exigem de suas investidas que adotem práticas ESG, e esse “S” é de responsabilidade social. E isso significa, muitas vezes, ter, voluntariamente e como política da empresa, menos lucro, mais custos e/ou menos receitas potenciais, para atender a demandas sociais legítimas de seus stakeholders. E essa é uma realidade presente em empresas privadas.

De forma resumida, o minoritário tem duas visões racionais para ponderar. Uma, é o risco premente de que o governo, unilateralmente, altere as políticas de forma abrupta, em nome do interesse público, e até de segurança nacional, caso a situação saia de controle no exterior. Outra, é que ter uma margem de mais de 50%, em um momento trágico para a população mundial como esse, podendo ir a 60%-70% caso continuem a política atual de paridade com o preço no exterior, provocaria, muito provavelmente, uma situação de caos social, o que não parece ser uma atitude socialmente responsável, ao contrário, parece que a Companhia não reconhece estar inserida no problema.

Uma sugestão à administração da Companhia

Em nome do interesse público, da segurança nacional e da responsabilidade social, o Instituto Civitas avança do simples diagnóstico e apresenta ao debate público uma sugestão: a administração da Companhia poderia se organizar para refazer seu orçamento alterando para uma política atrelada a intervalos de margem bruta. Por hipótese, mirar uma política de preços que permita uma margem bruta oscilando entre 35% e 45%, que permitiria que a empresa calibrasse seus lucros com visão de responsabilidade social e controlando riscos para a economia nacional.

Em momentos de alta do petróleo e do dólar a Companhia terá espaço para reduzir sua margem até o nível mínimo aceitável de lucratividade e, como isso acontecerá nos momentos de alta de receitas, haverá bastante lucro bruto nominal, mesmo com a redução da margem. Já em momentos de folga no mercado internacional, poderia atuar com margens maiores, sem causar solavancos na economia nacional.

Para a questão ficar ainda melhor endereçada, essa proposta da administração poderia ser colocada em votação em Assembleia, sem a participação do controlador, de forma que, se for aprovada, será a visão de longo prazo do próprio acionista minoritário, que reconhece investir em uma empresa que não pode, simplesmente, lavar as mãos diante de riscos graves à economia em que está inserida e, principalmente, quer evitar riscos ao próprio minoritário, pois, dentro da lei, seu controlador poderia acabar indicando uma política mais danosa, como a que foi aplicada durante o governo Dilma Rousseff, levando a margem a quase 20% e a Companhia a prejuízos.

Entendemos que essa solução poderia contemplar, de maneira responsável, as necessidades do país, a proteção do minoritário e o viés liberal do governo. Ressaltando que, caso a questão saia mesmo do controle no exterior, provavelmente, além do proposto, será necessário algum subsídio. É o momento mais grave da geopolítica mundial, desde a segunda guerra.

Por fim, cabe um adendo aos leitores com viés mais libertário. A presente Carta não intentou tratar de privatização, pois a questão requer decisões imediatas e isso seria um debate de médio prazo. Mesmo que a guerra terminasse hoje, as sanções aplicadas são, em sua maioria, irreversíveis e os impactos no preço e as incertezas sobre a economia mundial e inflação devem continuar. 

Rio de janeiro, 8 de março de 2022.

Instituto Civitas

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