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A “PEC das Bondades” e seus desdobramentos políticos e fiscais

Por Guilherme Azevedo

A Proposta de Emenda à Constituição nº 1 de 2022[1] foi aprovada no Senado em 1º de julho de 2022, com 67 votos a favor e apenas um voto contrário e foi encaminhada à Câmara dos Deputados, com previsão de ser votada em 12 de julho de 2022. Desde então, sua tramitação tem gerado bastante discussão no meio político e nos veículos de imprensa.

Nesse artigo, pretendo apresentar o que a PEC propõe e fazer uma análise considerando suas principais críticas no âmbito político e econômico. Não abordarei as discussões de ordem jurídica que revestem a proposta.

O que a PEC propõe

A proposta inclui o Art. 120 no Ato das Disposições Transitórias para reconhecer o estado de emergência no ano de 2022 decorrente da “elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais dele decorrentes”. Por conseguinte, para enfrentamento ou mitigação dos impactos do estado de emergência ora reconhecido, sem interferir na política de preços da Petrobras, aprova despesas que serão atendidas de forma extraordinária, sem precisar obedecer à regra de ouro das Finanças Públicas (art. 167, III, da CF) e sem considerar o teto de gastos (inciso I do caput do art. 107 do ADCT). Resumidamente, a PEC aprova o seguinte:

  1. Auxílio Brasil: Assegura a extensão do auxílio de R$ 400,00 para R$ 600,00, durante 5 meses, de 1º de agosto a 31 de dezembro de 2022, até o limite de R$ 26 bilhões. (Art. 3º, I)
  2. Auxílio Gás: Assegura às famílias beneficiadas o dobro do benefício, passando o benefício bimestral de 50% para 100% do valor da média do preço nacional do botijão de 13kg, durante seis meses, de 1º de julho a 31 de dezembro de 2022, até o limite de R$ 1,05 bilhão. (Art. 3º, II)
  3. Auxílio Caminhoneiro: Concede aos transportadores autônomos devidamente cadastrados no RNTRC o auxílio de R$ 1.000,00 mensais no período de 1º de julho a 31 de dezembro de 2022, até o limite de R$ 5,4 bilhões. (Art. 3º, III)
  4. Auxílio no Custeio de Transporte Público para Idosos: Aporta à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios R$ 2,5 bilhões para auxiliar no custeio da gratuidade do transporte público para idosos até 31 de dezembro de 2022. (Art. 3º, IV)
  5. Auxílio a Estados e Distrito Federal por outorga de crédito tributário de ICMS a produtores ou distribuidores de etanol hidratado em seu território: Entrega até R$ 3,8 bilhões em 5 parcelas mensais de até R$ 760 milhões de agosto a dezembro de 2022. (Art. 3º, V)
  6. Auxílio taxista: Concede aos taxistas devidamente registrados até 31 de maio de 2022, no período de 1º de julho a 31 de dezembro de 2022, auxílio até o limite de R$ 2 bilhões. (Art. 3º, VI)
  7. Programa Alimenta Brasil: Assegura a suplementação orçamentária de R$ 500 milhões ao programa. (Art. 3º, VII)

Portanto, a estimativa de incremento de gastos com tais benefícios é de R$ 41,25 bilhões.

De onde virão os recursos

Conforme reportado no PARECER Nº 228, DE 2022-PLEN/SF[2] do Senador Fernando Bezerra Coelho, relator da PEC no Senado Federal, o governo federal pretende conseguir os recursos da seguinte forma:

Esses programas serão financiados, majoritariamente, pelos recursos consignados, por Lei, ao Fundo Social, incluindo seu superávit financeiro, mas excluindo aqueles vinculados à educação e saúde. As despesas decorrentes da PEC nº 1, de 2022, terão como fontes adicionais de financiamento os dividendos recebidos pela Petrobras e as receitas auferidas pela União com leilões dos volumes excedentes da cessão onerosa do pré-sal, de que trata a Lei nº 12.276, de 2010, além de outros recursos definidos em lei.

Outra fonte de receita apontada no citado parecer seria a busca pelo aumento extraordinário de receitas sem aumento da carga tributária, conforme segue:

Nunca é demais repetir o compromisso do Governo com a gestão fiscal responsável. Vale destacar que as propostas apresentadas nesta Emenda Constitucional para atenuar os efeitos do estado de emergência decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços dos combustíveis e dos impactos sociais deles decorrentes devem ser acompanhadas por medidas que busquem o aumento extraordinário de receitas e que não passem por aumento da carga tributária, com vistas a mitigar os impactos fiscais no resultado primário estimado no último Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas.

Nesse sentido, o Poder Executivo, já conta com o pagamento pela Eletrobrás de outorga de R$ 26,6 bilhões e, respeitadas as instâncias de governança corporativa das empresas estatais, examinará a possibilidade de pagamento de dividendos adicionais ou complementares à conta de lucros auferidos no presente exercício ou em exercícios anteriores.

Portanto, de acordo com o parecer do relator, o governo federal pretende bancar essas despesas extraordinárias por meio das seguintes fontes:

  • Proventos distribuídos pela Petrobrás.
  • Leilões dos volumes excedentes das cessões onerosas do pré-sal.
  • Fundo Social, excluídos os recursos destinados às áreas da saúde e da educação.
  • Recursos provenientes da privatização da Eletrobrás.
  • Eventuais dividendos adicionais de estatais.

De todo modo, dada a imprevisibilidade de realização de parte dessas fontes de receitas, só será possível saber se elas são suficientes para cobrir os R$ 41,25 bilhões previstos na PEC no início do próximo ano. Sendo assim, não é incorreto supor que tais despesas poderão vir a ser arcadas com aumento do endividamento público.

Sobre a crítica apontando suposta irresponsabilidade fiscal da medida

Nessa linha, aproveitando-se dessa possibilidade, alguns opositores da proposta estão afirmando, com certeza, que o governo não possui folga orçamentária para a concessão de tais benefícios adicionais e que, portanto, tais despesas extras provocarão aumento do endividamento público. Afirmam, ainda, que a irresponsabilidade fiscal oriunda da proposta em tramitação ocasionará a fuga de investidores, apreciação do dólar e aumento da inflação.

De fato, evitar o aumento do endividamento público deve ser um valor sagrado a todo gestor público pois não há nada mais vil, no que diz respeito às finanças públicas, do que comprometer as gerações futuras com decisões fiscalmente irresponsáveis. Sendo assim, deve-se diligenciar para que as despesas sejam sempre menores que as receitas. Situações de emergência que demandem aumento do gasto acima da arrecadação devem ter caráter obrigatoriamente temporário.

Isto posto, no que diz respeito à realidade fiscal brasileira sob a gestão do atual governo, a expectativa é promissora dada a tendência de redução da dívida pública por meio da redução relativa da despesa total com a manutenção do nível de receita líquida, conforme demonstrado pelo Tesouro Nacional no gráfico[3] a seguir.

As despesas extraordinárias para combater os efeitos das medidas restritivas de liberdade adotadas durante a pandemia nos anos de 2020 e 2021 impactaram sobremaneira as contas públicas e o estoque da dívida pública federal. Apesar disso, a projeção da dívida pública feita pelo Banco Central do Brasil indica que a tendência é de queda, conforme se pode verificar no gráfico[4] que segue.

Ainda que as despesas resultantes da aprovação dessa PEC não sejam cobertas por receitas extraordinárias e, por conseguinte, o país precise aumentar o endividamento para atender a demanda emergencial de auxílio às pessoas mais pobres e mais impactadas pelo aumento abrupto no preço dos combustíveis, esse aumento do estoque da dívida deverá ser amortizado pelos superávits esperados para os exercícios futuros, considerando-se o caráter temporário e limitado das despesas geradas pela PEC e as projeções de receitas e despesas do governo.

Desse modo, o apontamento de risco de aumento do endividamento, da desconfiança do investidor, do dólar e, consequentemente, da inflação se baseia em um raciocínio econômico válido, porém, suas premissas carecem de confirmação visto que, a priori, não é certo que as despesas serão suportadas por aumento do endividamento público e, ainda que sejam, o caráter transitório das despesas e a tendência de redução das despesas totais no médio e longo prazos permitem projetar que o endividamento entrará em declínio a partir do próximo ano.

Portanto, os críticos que dizem que a PEC causará inflação no futuro e que esta prejudicará ainda mais as pessoas que receberão os benefícios agora carecem de sensibilidade para entender que as pessoas que estão em estado de vulnerabilidade por ocasião das medidas restritivas de liberdade impostas durante a pandemia e do atual aumento dos combustíveis e da inflação, em sua grande maioria, não tem o privilégio de conseguir se planejar para o longo prazo. Entre escolher receber um benefício hoje para se proteger da inflação de hoje e não receber esse benefício hoje para se proteger de uma hipotética inflação futura, não há dúvidas de que preferem a primeira alternativa.

Sobre a crítica apontando fontes de recursos alternativas

Alguns opositores alegam que haveria meios melhores de se conseguir recursos para subsidiar os benefícios em discussão, tais como:

  • O uso dos recursos do fundão eleitoral – R$ 5 bilhões.
  • As emendas de relator – R$ 16 bilhões.
  • A privatização Correios – R$ 5 bilhões.
  • Os leilões de rodovias e ferrovias – R$ 7 bilhões.
  • A venda de 3 refinarias pela Petrobras – R$24 bilhões.
  • A venda da participação do BNDES na Vale – R$ 33 bilhões.

Quanto à sugestão de destinação dos recursos do fundão eleitoral e das emendas de relator para bancar os benefícios, a aprovação pelo Congresso é sabidamente inviável politicamente no curto prazo, logo, não deveria sequer ser considerada como alternativa para atendimento a uma demanda emergencial.

No que diz respeito à privatização dos Correios e leilões de rodovias e ferrovias, também é sabido não haver tempo hábil para se realizar tais medidas em tempo hábil para a concessão de tais benefícios em caráter emergencial. Porém, caso o governo realmente destine os recursos provenientes da privatização da Eletrobras e dos leilões dos volumes excedentes das cessões onerosas do pré-sal para custear os benefícios em questão, essa destinação se assemelhará à proposta em tela.

Já no que concerne à venda de três refinarias da Patrobras, além de não haver tempo hábil para se conseguir vender três refinarias, os recursos provenientes dessas eventuais vendas seriam uma receita da Petrobras e não do governo. No entanto, o governo pretende destinar os recursos provenientes dos proventos da Petrobras e de eventuais dividendos adicionais de estatais, ou seja, recursos oriundos de companhias com participação estatal.

Relativamente à sugestão de venda de participações do BNDES, seria possível realizar e deveria ser considerado pelo governo.

Sobre a crítica apontando caráter eleitoreiro da medida

Medidas governamentais de concessão de benefícios, especialmente políticas assistencialistas de transferência de recursos para um número considerável de pessoas, obviamente, possui caráter eleitoreiro pois o mandatário a quem sejam atribuídos os créditos por tal política tende a ser enaltecido por boa parte das pessoas beneficiadas, aumentando suas chances de receber votos desses eleitores.

Não à toa, é proibido esse tipo de medida em ano de eleição, exceto em situações excepcionais. O reconhecimento da situação de emergência pela PEC é o que atribuirá esse caráter de excepcionalidade possibilitando sua implementação esse ano. Sendo assim, é esperado que os opositores ao atual governo tentem impugnar a legalidade da PEC junto ao STF.

O que esses opositores parecem ignorar é que o fato de a medida ser eleitoreira não anula o fato dela ser necessária.

A maioria dos que acusam a PEC de eleitoreira está igualmente preocupada com a eleição e com os votos que eles próprios e/ou seus candidatos e correligionários poderão deixar de receber em decorrência dos benefícios que serão concedidos.

Logo, essas pessoas não percebem que sua crítica possui o mesmo caráter eleitoreiro do qual acusam a medida e essa falta de percepção as leva a parecerem elitistas e insensíveis, pois desprezam a dura realidade de milhões de brasileiros que ainda sofrem os impactos das medidas restritivas de liberdade impostas por políticos e representantes do judiciário durante os vários meses de pandemia e ignoram o impacto cruel do aumento abrupto do petróleo e de seus derivados sobre os preços dos alimentos e demais itens essenciais para sua sobrevivência.

Conclusão

Quando parte significativa da população demanda medidas de curto prazo para atender a necessidades de subsistência, a inação do governo pode resultar em uma situação perigosa de caos social.

Por fim, há que se ressaltar a característica liberal da PEC pois 84,73% dos R$ 41,25 bilhões destinados aos benefícios, ou seja, R$ 34,95 bilhões, serão transferidos diretamente aos indivíduos mais vulneráveis, nos moldes do conceito de imposto de renda negativo teorizado e defendido pelo economista liberal estadunidense Milton Friedman. Ao conceder os recursos diretamente ao cidadão, o governo evita criação de burocracia para prestação do serviço, torna o processo mais rápido e menos oneroso e, ainda, confere diretamente aos indivíduos a liberdade de escolher como alocar tais recursos conforme suas necessidades.

Em tempo, vale salientar que programas assistencialistas possuem incentivos perversos, os quais explicito no artigo ASSISTENCIALISMO DE RENDA MÍNIMA POSSUI INCENTIVOS PERVERSOS: MAS O QUE FAZER. Desse modo, tais programas não devem ser um fim, mas um meio para que a população vulnerável possa subsistir enquanto buscam prosperar de modo a não mais precisar de tais benefícios. Logo, o caráter temporário dos benefícios é mais um ponto positivo da PEC que precisa ser considerado.

[1] documento (senado.leg.br), consultado em 12/7/2022.

[2] documento (senado.leg.br), consultado em 11/7/2022.

[3] https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO_ANEXO:16650 , consultado em 12/7/2022.

[4] https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO_ANEXO:16625, consultado em 12/7/2022.

 

3 thoughts on “A “PEC das Bondades” e seus desdobramentos políticos e fiscais

  1. Eu concordo com a PEC mas vejo também como uma ação política do governo e não o condeno por isto. O que estamos vivendo no país exige até mais ação na busca da manutenção do atual grupo político. Estamos em guerra.

  2. O Civitas tem contribuído para o debate público de assuntos de interesse da sociedade brasileira, ampliando os horizontes com informação de qualidade!

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