A Bandeira Nacional e a extravagância jurídica
Por Márcio Vicari
Esta semana uma polêmica se instalou a partir de uma entrevista de uma juíza eleitoral do Rio Grande do Sul sobre o uso da Bandeira Nacional como sucedâneo de propaganda eleitoral. A manifestação foi no sentido de que a bandeira configuraria propaganda eleitoral em favor de um “pré-candidato” (expressão que já mereceria um comentário específico, mas que fica para outra oportunidade) e que, por isso, seu uso seria proibido naquela circunscrição eleitoral, à exceção das hasteadas em órgãos públicos.
Li vários comentários e críticas a esse posicionamento tendo em conta a natureza especial da Bandeira Nacional como Símbolo Nacional, na conformidade do que dispõem os artigos 10 e seguintes da Lei 5.700, de 1º de setembro de 1971.
De fato, proibir cidadãos de exibirem, hastearem ou usarem a bandeira nacional, pela razão que for, configura uma extravagância jurídica e política. Mas o tema me remete a outro ponto, que não vi abordado e que mais me preocupou, dado que a discussão teve início por questão que deveria ser baseada na técnica do Direito Eleitoral.
A lei assegura a qualquer cidadão o direito de manifestar — desde que de maneira espontânea e gratuita — sua preferência por candidatos às eleições, em sua propriedade privada, com atenção a algumas limitações: pode usar adesivo em veículos, inclusive bicicletas, e em janelas residenciais, desde que não exceda a 0,5 m²; pode, também, usar camisetas e bandeiras do candidato ou do partido, mesmo na rua, desde que não seja fixa, nem atrapalhe o trânsito de pessoas e veículos.
Mais que isso, o eleitor pode, de modo silencioso e sem cooptação de outros eleitores, usar camiseta, broche ou bandeira de candidato até mesmo no dia da eleição, data em que a propaganda eleitoral já é proibida e considerada criminosa (a chamada propaganda de “boca de urna”).
Portanto, é muito clara — e antiga!! — a distinção que o Direito Eleitoral faz da propaganda eleitoral realizada por candidatos e partidos, daquela que é feita como manifestação individual de preferência pelo cidadão, direta, espontânea e gratuitamente. Proibir o cidadão de manifestar essa preferência é, a par de um grave menoscabo democrático, um erro técnico-jurídico indesculpável para quem deveria conhecer e aplicar a lei eleitoral.
Não me esqueço que apenas a partir do dia 15 de agosto é que seria permitida a propaganda eleitoral, nos termos do artigo 36, da Lei Eleitoral (Lei 9.504, de 30.9.1997). Uso o verbo no futuro do pretérito porque, na prática, em especial depois de alterações feitas na Lei Eleitoral pela Lei 13.165, de 2015, acabou consagrada na lei a prática da “pré-candidatura” e, com ela, a “pré-campanha”, uma brasilidade que nada mais é do que campanha semi-escamoteada, antes do prazo próprio das campanhas. Algo como “só pode depois do dia 15, então se for fazer antes, faz sem barulho”.
Também o cidadão comum e não apenas o candidato pode, em tese, praticar o ilícito administrativo da “propaganda extemporânea” (que é, exatamente, a propaganda eleitoral propriamente dita, realizada antes do dia 15 de agosto). Todavia, diante das regras de “pré-campanha” estabelecidas pela Lei 13.165, que permitem quase todo o tipo de propaganda, exceto pedir voto explicitamente (porque até pedido de “apoio” é lícito…), enquadrar um cidadão que divulgue um símbolo, ou uma fotografia de um candidato ou partido como propaganda extemporânea, sem que haja o pedido formal e explícito de voto, é claramente impróprio. Se o “pré-candidato” pode fazer de tudo, menos pedir o voto, por que um cidadão não poderia ser tratado nas mesmas condições?
Por tudo isso, a proibição de uso de bandeiras pelos cidadãos para manifestar apoio político “lato sensu” é ilegal, independentemente de ser a Bandeira Nacional ou não. Antes de 15 de agosto, apenas não pode haver pedido de voto. Depois de 15 de agosto, a manifestação cidadã por esse meio é livre (se gratuita e não for afixada em bens de uso público) até mesmo no dia da eleição.